segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Cor da Morte

Era uma linda manhã em Shadarph, atual capital de Stavianath. O quarto de Kathrina ficava no alto de uma torre com vista para o mar. Todas as manhãs ela acordava com o brilho de Álax entrando por sua janela. O frescor dos raios suavemente quentes que aqueciam sua pele alva dava lhe sempre ânimos para se levantar. Contudo nesse dia em especial, antes mesmo de Álax aparecer, ela já estava acordada. Batia na porta de sua criada gritando:
 _ Shae, Shae... Acorda. É hoje a grande festa! Temos que fazer um belo penteado em meus cabelos.
_Que é isso menina. Ainda é muito cedo. Falou a velha senhora que desde criança Kathrina aprendera a amar como uma segunda mãe.
_Eu sei. Mas quero está bem bonita para quando meu amado Gamblior chegar. Dizia Kathrina enquanto puxava Shae pelas mãos escada acima até seu quarto. “_Aquele seria um dia cansativo.” _Pensava a velha senhora.
Nos primeiros momentos de claridade do dia, no “período de Fabus”, por volta da décima terceira hora, Kathrina já estava debruçada na sacada da janela do salão principal de seu palácio que dava vista para os portões principais da cidade. Os príncipes, duquese lordes de todos os cantos do continente começaram a chegar pela décima quinta hora do dia. A cada momento uma trombeta tocava anunciando a chegada de algum nobre. A população de Shadarph saíra toda para a rua para presenciar um verdadeiro desfile de elegância e nobreza. Lordes de Markden, opríncipede Cananor com seus servos seminus, duques de Thur-Hurker, entre outros. Todos estavam interessados na mão da princesa Kathrina, filha de Cronder, o Bravo. Mas, para Kathrina apenas um jovem príncipe lhe interessava. Seu nome era Gamblior, príncipe de Hellin-Odel, filho de Fandron, o forte. Kathrina se lembrava de sua adolescência, quando acompanhara seu pai em uma viagem marítima até o reino de Hellin-Odel.
Gamblior chegou acompanhado com uma escolta de cinquenta homens. Com suas armaduras prateadas e reluzentes e seus mantos vermelho sangue chamavam a atenção por suas enormes espadas que traziam dependuradas nas costas. Quanto adentrou a praça principal, o jovem príncipe olhou para o povo como que procurasse uma pessoa específica em meio à multidão ou no alto de alguma janela. Quando finalmente avistou Kathrina no parapeito de uma sacada, curvou-se em homenagem e de trás de sua espessa capa retirou uma rosa vermelha e a lançou para Kathrina que mais que depressa a segurou com um sorriso encantador e apaixonado que deixou os outros convidados aturdidos de inveja.
Apesar adentrar a cidade juntamente com sua comitiva, Durkan, príncipe de Cananor já estava na cidade há dois dias. Toda aquela encenação não passava de um plano previamente arquitetado. Não queria que os outros nobres soubessem que ele já estava na cidade há dois dias. Viera na frente de seus homens acompanhado apenas por seu guarda costas Drurkali, o escorpião negro, como era chamado. Nestes dois dias estivera conversando com Cronder, o bravo, sobre uma possível união entre seus povos. Em como ele destacaria os melhores capitães marítimos de seu reino para treinar os homens de Stavianath na arte da navegação.Também criou uma forte amizade com os irmãos Crane e Cron falando sobre as mulheres negras de Cananor e suas habilidades de satisfazer os homens. “_Principalmente os forasteiros!”. Dizia ele. Apenas Adrien, dos três irmãos não demonstrou interesse no falatório de Durkan. Fato é que em apenas dois dias Durkan havia convencido os dois irmãos a tentarem convencer Kathrina a escolhê-lo como marido. Nenhum deles prometeu intervir no livre arbítrio da donzela, mas disseram dar bons testemunhos do príncipe negro.
Naquela manhã o rei Cronder estava visivelmente ansioso. As palavras do bruxo Lecain ainda ecoavam em sua mente. “_Meu rei. Estou saindo para meu retiro anual.” _Dizia o mago. “_Mas devo adverti-lo sobre o casamento de sua filha. Eis que vi a morte nesse casamento. E aquele que trás a morte para dentro de seu reino é aquele que possui os cabelos de ouro. Você deve cancelar esse casamento”.
Obviamente Lecain estava falando de Gamblior. O príncipe por quem Kathrina é perdidamente apaixonada. Como convencê-la a arranjar outro marido? Pensava o rei cabisbaixo enquanto esperava o soldado que enviara para trazer sua filha até ele.
A porta se abriu com um estrondo e antes mesmo que o soldado pudesse anuncia-la, Kathrina já havia corrido para os braços do pai.
_Pai, pai, meu adorado pai. Eu estou tão feliz! Dizia a jovem alegremente. Aquelas palavras deixavam o rei consternado. Pois sabia que logo aquele sorriso se verteria em lágrimas.
_Acalma-te minha adorável filha. Tenho que tratar contigo um assunto delicado.
_ O que é meu amado pai.
_É sobre seu casamento. Sobre tua escolha.
_Ahh... sobre isso? Não é segredo para ninguém mais quem eu escolherei né pai. Não vai querer opinar na minha escolha como fizeram meus irmãos, não é mesmo pai?! _Kathrina olhou o pai com o semblante curioso e temeroso.
_Na verdade vou. Respondeu rispidamente o rei. Tenho que lhe pedir para que não escolha Gamblior como esposo.
_Mas por quê? Por acaso me odeias assim de uma hora para outra? Tu sabes que eu o amo pai... _Lamentava Kathrina já com os olhos molhados.
_Eu sinto muito minha filha, mas temo pela sua vida. Fui advertido por Lecain que essa união entre vocês dois terminaria em tragédia. Entenda minha filha, só te peço que escolhas outro para ser seu marido.
_Nããããoo! _Gritou desesperadamente Kathrina._ Se for assim eu prefiro dedicar-me ao deus observador. Não vou me casar com ninguém.
_Deixe de pirraça minha filha. _Falou o rei com voz de trovão. _Já não eres mais criança. É agora uma mulher. E em breve serás uma rainha. Então aceite o teu destino com dignidade e escolha um marido que lhe queira bem. Não um que... _o rei fez uma pausa como que procurasse as palavras certas para dizer. ...que simplesmente lhe traga a morte. _Explodiram lhe as palavras da boca.
_Pois saibas pai. _Falou Kathrina moderando a respiração. _Que acabas de tirar-me a razão de viver.

Kathrina saiu dos aposentos de seu pai correndo e em prantos. Já não era mais aquela bela jovem sorridente. Seu rosto inchara e seus olhos ficaram rubros. Andara cambaleante e com deselegância durante o restante do dia. Ao chegar ao seu quarto ordenou a Shae que enviasse um recado a Gamblior. A amável senhora viu as feições tristonhas da princesa, mas quando fez menção de perguntar algo foi paralisada pelo olhar reprovador de Kathrina e logo saiu a cumprir seu dever.
Gamblior e Kathrina se encontraram ao entardecer debaixo da “ponte de ferro”. Assim era chamada a ponte que levava ao portão sul da cidade. Dizem que há muitos anos atrás um rio de aguas cristalinas passava por debaixo da ponte. Mas agora o rio secou se tornando um caminho por onde os enamorados costumam caminhar. Talvez por ser longe das casas e por manter sempre um gramado verde onde outrora era o leito do rio. Gamblior chegara animado ao encontro, mas logo que soube da noticia de que Kathrina não o escolheria como esposo seu semblante ficou abatido. Kathrina quis explicar os seus motivos, mas Gamblior não lhe deu tempo para explicações. “_Não me importa tuas razões princesa.” _Disse ele. ”A tua escolha já está feita. Então sejas feliz.” Gamblior saiu do local com o orgulho ferido e deixou a pobre princesa em prantos inconsoláveis.                         
Naquela noite houve uma grande festa. Todos pareciam se divertir. Exceto o príncipe Gamblior e a princesa Kathrina. Ao ver o principal concorrente cabisbaixo, Durkan, príncipe de Cananor encheu o coração de expectativas. Quando Gamblior retirou-se da mesa e anunciou que iria dormir, pois pretendia viajar cedo no dia seguinte, Kathrina não se conteve e lágrimas escorreram de seus olhos. Assim que Gamblior retirou-se Durkan foi falar com a princesa, mas foi ignorado por ela que saiu às pressas para seu quarto anunciando aos convidados que estava indisposta e iria dormir, mas que anunciaria sua escolha pela manhã.  Os irmãos de Kathrina tentaram convencê-la em ficar porem nenhum teve sucesso. Durkan se sentira humilhado por ter sido ignorado na presença de todos. Vendo o desapontamento de Durkan, Crane, o irmão mais velho de Kathrina foi lhe falar.
_Não fique de todo desapontado meu amigo. As mulheres são assim mesmo.
_Ela me ignorou na frente de todos._resmungou Durkan. _Não a amor que supere tal afronta.
_Que é isso meu caro. Ela está apenas chateada. Eu diria que está até carente. Devias visitá-la agora. Não com segundas intenções._Explicou Crane. _Mas apenas pra mostrar seu interesse por ela e se colocar a disposição de seu amor.
_Talvez tenhas razão. Ponderou Durkan com as mãos no queixo.
_Claro que tenho.
_Farei isso meu amigo. Vou visitá-la.
Durkan pediu licença aos que estavam ao seu redor e saiu em direção aos aposentos de Kathrina com determinação nos olhos. Atravessou o salão as pressas e quando Drurkali fez menção de acompanhá-lo, ele apenas recusou com um gesto com as mãos. Os corredores do castelo estavam vazios e silenciosos. Vez ou outra Durkan encontrava um guarda sonolento em seu posto que ao vê-lo sempre firmavam o corpo.
Ao chegar próximo ao quarto de Kathrina, ouviu vozes que vinham do quarto. “_Deve ser a criada.” _ Pensou Durkan. Mas de repente, um grito de desespero que foi estranhamente silenciado, paralisou Durkan por uma fração de segundo. Um estranho temor tomou conta de seu ser. Logo Durkan começou a correr em direção do quarto preparando sua corrente de batalha que ficava enrolada em sua cintura em ocasiões mundanas. Ao chegar diante do quarto viu que a porta já estava aberta e quando adentrou o recinto o terror tomou lhe conta. Uma enorme poça vermelha estava a crescer cada vez mais no chão. Em cima da cama estava estendido o que outrora fora a bela Kathrina. Agora um enorme ferimento por onde brotava litros de sangue, estava em seu peito. Parte de sua cabeça também fora atingida e sua mandíbula pendia-lhe por um simples tendão. Ao olhar ao redor procurando pelo assassino encontrou um rosto familiar e estranhamente sorridente num canto escuro do aposento. Durkan podia jurar. Era Gamblior.                   
O pavor virou ódio no coração de Durkan que atacou o suspeito com toda fúria de seu ser. As correntes, que possuíam pontas afiadas em suas extremidades, cortaram o ar em direção ao alvo. As três pontas atingiram o alvo perfurando a carne, mas não mortalmente. Durkan preparava o próximo ataque quando a lamina do inimigo surgiu como que um raio atingindo lhe o peito. Por pouco não fora um golpe mortal, mas a força do impacto jogou Durkan ao chão. Quando conseguiu se levantar viu que seu agressor havia fugido pela janela.
Durkan estava ferido. Pensou em perseguir o agressor mais ouvira os galopes do cavalo sai em disparada pelas ruas silenciosas. Ao seu redor tudo estava vermelho. Vermelhos estavam seus olhos de tristeza e ódio. Vermelho estava o chão. Vermelho era a enorme capa que o agressor usava naquela noite. Para Durkan vermelho era a cor da morte.