quinta-feira, 18 de junho de 2015

Fogo no Céu.

 Crane e Adrien estavam um ao lado do outro, montados em suas montarias de combate. De cima da colina podiam ver todo o campo verdejante antes das muralhas de Shadarph. Eles haviam reconquistado inúmeras cidades no retorno para a sua cidade natal. Somente agora eles compreenderam porque não tiveram grande resistência nas outras cidades. A maior parte do exercito markdeno estava em vigília em Shadarph. Das batalhas anteriores até o momento, um bando de sobreviventes juntou se a eles. Muitos haviam perdido suas casas e seus familiares e o desejo de lutar contra os markdenos era ampliado por algo mais além de fidelidade aos príncipes de Stavianath.     
_Não a marcas de cerco ao redor dos muros. –Observou Crane.
_O exército Markdeno sempre foi aliado. Ninguém esperava essa traição. Concluiu Adrien enquanto apertava a fivela do cinto da sua espada longa. Seu cabelo estava amarrado em um longo rabo-de-cavalo que caia sobre suas costas junto com a capa cinza que cobria seu peitoral de aço duplo.
_Os malditos chegaram como aliados. Devem tê-los deixado entrar. Essa é a única explicação. Crane estava com o rosto cerrado e seus cabelos negros esvoaçavam diante de seus olhos encolerizados. Suas mãos seguravam com força o cabo do machado de guerra.
Atrás deles um exército de dezoito mil homens e algumas mulheres guerreiras estava de prontidão.
Os dois príncipes logo souberam das cabeças cravadas em estacas acima dos portões da cidade. Eram as cabeças de nobres e senhores de Shadarph. Ambos sabiam que a cabeça de seu pai estava entre elas. Mas não choraram. Não havia mais lágrimas. Apenas o desejo de vingança. No alto da muralha havia três vultos. Sabiam que um deles era Keiran Dehildren. O maldito havia vindo de Markden para tomar posse de sua vitória. Os outros dois eram desconhecidos para eles.
_Devemos atacar com tudo. Somos mais numerosos. Podemos invadir a cidade. Faremos aríetes e derrubaremos os portões. –Falava Crane sem pensar muito.
_Não se afobe irmão. –Disse Adrien colocando as mãos no ombro do irmão enraivecido. Eles possuem a muralha a seu favor. Além do mais muitos de nossos guerreiros ainda não se recuperaram das batalhas anteriores.
_O que estou dizendo? –Surpreendeu-se Crane. _Nunca pensei que atacaria as muralhas de minha própria cidade.
_Vamos nos reunir com os generais. Devemos tentar encontrar algum termo para enviarmos a Keiran. Falou por fim Adrien dando meia volta com o cavalo e retornando para junto do seu exército.
Já era tarde quando eles reuniram os mais de
Cinquenta líderes em uma imensa cabana improvisada para a reunião.
_Eles não são mais que doze mil homens. –Dizia um dos líderes. _A maior parte do exercito ainda continua nas terras de Markden.
_Também não somos um exercito completo. Deixamos nove mil soldados com o príncipe Cron.
_Foi necessário. Foi a bravura de Cron que garantiu o nosso retorno.
_De que adianta termos retornado se ficamos aqui parados enquanto nossos filhos são mortos e nossas mulheres violadas dentro das muralhas? –Resmungou um dos homens que possuía uma longa barba negra e braços fortes apoiados em uma imensa barriga.
_Não diga tolices, porco. Sou de Salamphor e vi mulheres serem estupradas, velhos serem mortos. Ainda assim nossas altezas Crane e Adrien nos libertaram. A mulher que falava era selvagem e bela. Tinha músculos como um rapaz, mas suas curvas femininas eram acentuadas. _Luto por eles porque confio nas estratégias de combate deles. A força bruta não vale nada se não houver inteligência para empenhá-la.
_Falou bem mulher. Não questiono mais nada. Concordou o homem gordo de barbas longas.
_Eu não pude deixar de notar que muitos mercenários do deserto estão lutando com os markdenos.
_São mercenários. Mas porque Keiran contrataria mercenários do deserto para lutarem com eles? Eles são inimigos declarados.
_Éramos aliados. –Interrompeu Adrien. _Agora somos inimigos. Vamos enviar um mensageiro. Temos que ouvir o que Keiran tem a dizer.
_ Eu posso ter a honra senhor? _Disse um jovem que parecia ter infiltrado na reunião.
_E quem és tu jovem? –Perguntou Crane.
_Sou Eikhen, filho de Haimirich.
_Você não passa de um escudeiro jovem.
_Mas também sou um homem estudado senhor. Sei ler e escrever e sou habilidoso com as palavras, meu senhor.
_Não sei se tu estás qualificado Eikhen.
_Meu senhor. Confesso que não sou um bom espadachim. Ainda assim estou disposto a lutar. Mas empenharei um papel melhor na batalha se em vez da espada eu possa utilizar as palavras. Prometo descobrir o que Keiran pretende. Por favor, meu senhor. Uma daquelas cabeças acima dos portões pertencia a meu pai.
A última frase do jovem cativou o príncipe que com o apoio de Adrien consentiu.
A estrela Álax brilhava onipotente nos céus quando o jovem Eikhen desceu a colina galopando em um corcel branco. Em sua mão direita estava a haste da bandeira com os símbolos de trégua e paz. O jovem possuía um semblante orgulhoso no rosto. Os raios de Álax refletiam na armadura prateada que ele ganhara do príncipe Adrien e o vento fazia esvoaçar sua capa branca.
Ainda do alto da colina Adrien e Crane observavam o rapaz cavalgar em direção à cidade. Eles não entenderam muito bem quando o rapaz pareceu diminuir a velocidade e começar a fazer voltas com a montaria como quem procura algo no chão.
No alto da muralha as três figuras ainda observavam paradas quando o jovem deu meia volta na montaria e começou um galope veloz de retorno para as colinas. Logo centenas de figuras apareceram no alto da muralha e um rompante de flechas cruzaram os céus em direção ao jovem. Ao ver o zumbido acima de si o jovem empenhou se mais ainda em seu galope frenético. Flechas cravejaram seu corpo e o jovem caiu. O próprio Adrien apanhou um escudo de corpo e antes que alguns de seus homens pudessem intervir saiu a galope com seu corcel em direção ao jovem caído, que mesmo ferido, havia se erguido e andava em direção as colinas. As flechas já não o alcançavam mais quando Adrien o apanhou e o colocou na sua montaria. Quando chegou ao alto da colina o jovem já se encontrava morto. Mas Adrien notara que a capa do jovem estava encharcada com algo.
_Óleo. –Afirmou Adrien.
_O que? –Questionou seu irmão.
_O vale está cheio de poças de óleo. Esses loucos queriam incendiar nossa infantaria.
_Canalhas. Não percebem que o fogo pode incendiar a muralha também caso fique descontrolado devido ao vento?
_Eles não parecem se importarem irmão. Vamos. Temos que pensar em algo.
Era noite quando um dos vigias aproximou gritando para os príncipes.
_Senhores, eles abriram. Abriram os portões da cidade.
_O que?
Logo os irmãos viram que era verdade. Centenas de coches puxados por bois começaram a sair da cidade. Em cima deles haviam celas abarrotadas de pessoas. Ao redor também havia várias pessoas que corriam desajeitadas.
_O que estão fazendo? Estão libertando os reféns?
_Se estão libertando os reféns porque eles ainda estão presos uns aos outros com grilhões de metal?
_Não. Balbuciou Adrien.
Estavam muito longe e era noite para que alguém pudesse ter visto algo, mas Adrien sentiu que um número de vultos se enfileirou em cima da muralha.
_Não... Não... Não...
Logo a muralha estava toda iluminada com tochas flamejantes dançando ao vento.
_Não. Não. Não. Não. Todos começaram a lamuriar.
Lá embaixo os bois puxavam os coches lentamente. Entre os andantes a pé havia velhos e crianças que corriam tropeçando uns nos outros. Quando caiam puxavam outro, pois estavam presos uns aos outros. O terreno escorregadio dificultava mais ainda.
Por um momento o céu se tornou claro como dia e uma chuva de estrelas pareciam cair. As flechas incendiárias caíram no solo e uma explosão flamejante tomou conta de todo o vale. Duas mil vozes suplicantes uniram se aos lamentos dos guerreiros que largaram armas e correram loucamente em direção as chamas para tentarem libertar os prisioneiros que eram queimados vivos.

_NÂÂÂÂOOO. Meu povo. Tenho que salvá-los. –Crane correu com olhos lacrimejados e mergulhou nas chamas em um ímpeto de loucura. Muitos foram os guerreiros que o seguiu para dentro das chamas.
Os gritos agonizantes martelavam na cabeça de Adrien. Ele olhava em direção as chamas, mas seus olhos estavam vagos.
_Senhor? Quais são suas ordens? Senhor? Meu príncipe? – Perguntava a mulher de Salamphor. _ Temos que sair daqui meu príncipe. Os Hellin-Odelianos estão atrás de nós. Estamos encurralados entre as chamas e o inimigo.

Adrien permanecia imóvel. Paralisado como uma estátua. _Seu corpo vive, mas sua mente já morreu. –Concluiu a mulher.