sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Aliados ou inimigos?

Fogo. O calor fazia sua pele suar. A ferida em seu rosto abriu-se novamente e começava a sangrar. Mais um estrondo e novamente o teto começou a desabar. Crianças choravam lamuriosas e a poeira atrapalhava a visão. Andivari usou toda sua força e rompeu a corrente que prendia a porta do calabouço. Pulou para dentro e disse: _Vamos crianças. Vocês estão salvas agora.
_Não. Não estamos. –Uma criança respondeu. Logo todas saíram das sombras. Seus pescoços derramavam litros de sangue que jorravam de um corte profundo. Suas roupas estavam rubras e seus rostos estavam cadavéricos. O olhar sem brilho naqueles rostos infantis fez Andivari gritar.
_Acalme-se. Foi apenas um sonho. –Disse lhe Verbena afagando seus cabelos loiros e ressecados. _Tome. Coloque esse pano em cima de sua ferida. Fique quieto que vou ascender o fogo e preparar um ensopado de lebre para nós.
Havia passado três dias desde que Verbena, Andivari e Vladislav haviam saído de Stavianath pela caverna. Perceberam pelas fazendas e vilarejos por onde passavam que a guerra estava acontecendo. E era um inimigo cruel que destruía Stavianath. Um inimigo que por muito tempo havia sido um grande aliado.
Por onde passava, o general Obadian Teron deixava sua marca. E sua marca era cruel. Famílias inteiras eram massacradas após servirem aos seus soldados. Mulheres eram estupradas e crianças mortas pelo simples fato de chorarem. Pelo menos foi o que disse o fazendeiro moribundo que encontraram na fazenda destruída. O fazendeiro logo faleceu, pois suas feridas estavam além dos conhecimentos de Verbena para auxiliá-lo. Agora, o único cômodo que não havia sido totalmente queimado servia de dormitório para os três passarem a noite e cuidarem do ferimento de Andivari.
 A chuva da tarde deixara o solo com o cheiro de terra molhada. Vladislav apanhara uma lebre e a limpava enquanto Verbena ascendia o fogo. Andivari estava deitado segurando um pano úmido com unguentos sobre o próprio rosto. O ardor na ferida de sua cara parecia não querer desaparecer.
Após a refeição Andivari melhorou um pouco da febre. Verbena acariciava seus cabelos enquanto passava um pano úmido em cima de sua cicatriz inflamada. A cicatriz ostentava um aspecto horrível. _Ele perderá a visão do olho esquerdo, como certeza. -Concluía em seus pensamentos. 
Os dois estavam próximos a uma lareira. As paredes ao redor ainda possuíam o cheiro e o aspecto escuro do recente incêndio que destruiu a maior parte dos cômodos da casa. A noite caiu rápida e fria sob os três. Andivari remexia de dor de um lado para o outro. Verbena deitou ao seu lado para aquecê-lo enquanto que Vladislav permanecia escorado no marco de uma porta que havia sido queimada deixando apenas um vão escuro.
A fazenda era em um terreno plano. Na frente da onde era a casa principal o gramado era cortado apenas por uma estrada que se estendia por duas milhas até adentrar na espessa floresta. Nos fundos havia um milharal parcialmente queimado e logo após um vale que estendia até se perder de vista.  Vladislav havia visto as redondezas da casa queimada durante o dia, mas, agora com o cair da noite, tudo o que ele via era a escuridão. Uma escuridão que parecia observá-lo. Uma escuridão intensa que fazia as chamas que lutavam na lareira desejarem se apagar. Uma escuridão que estava acompanhada dos gemidos de um moribundo e a tristeza de uma mulher. Com todos os acontecimentos que se sucederam nos últimos dias Vladislav estava cada vez mais ansioso.
_Ela esta vindo. –Pensava.
E ela vinha. Escura e silenciosa. Com pequenos olhos vermelhos e amarelos no horizonte. Saindo de uma abertura na escuridão. De repente era uma dúzia de olhos flamejantes que cresciam cada vez mais e vinham em sua direção.
_Tochas. –Vladislav gritou para Verbena despertando se assustado de seu devaneio mental.
_Verbena, apague o fogo da lareira. Tem homens com tochas e estão vindos em nossa direção. Dez... talvez mais. E estão a cavalos. Estarão aqui em três minutos.
Verbena saltou rapidamente por cima de Andivari e apagou o fogo como pôde. Recolheu os pertences que conseguia e voltou para ajudar Andivari se reerguer.
Vladislav apenas desembainhou sua espada e deu uma ultima olhada pela porta. Agora já podia ouvir os cascos dos cavalos batendo no solo.

_Vamos. Rápido. Temos que esconder-nos no milharal. – Apoiando Andivari pelo ombro eles correram em direção à porta que dava saída para os fundos. Já estavam a quarenta metros da casa quando ouviram um homem que havia saído pela mesma porta que saíram gritar:
_Aqui. Eles estão aqui atrás da casa.
Logo, o restante do grupo, montados em cavalos apareceram pelos lados da casa e os alcançaram. Seis homens com suas montarias circulavam os três diminuindo o circulo a cada volta deixando os de costas um para o outro até ficarem totalmente encurralados. Enquanto isso outros quatro homens desciam de seus cavalos e desembainhavam suas espadas. Eram homens altos e de cabelos negros como a noite que os cercavam.
“Stavianathos.” - Pensava Vladislav com a espada em punho.
_Ora, ora. O que temos aqui. –Disse um dos homens que desceu do cavalo.
_Três merdas amarelas. E uma tem belos peitos. –Disse outro.
_Peitos? Eu quero peitos. Faz tempos que não mamo uns belos peitos. E não vou me importar de mamar num peito de merda. Espero que tenha xoxota também, hehehe!  
_Eu creio que todos Hellins tem xoxotas, hahahahaha!
_HAHAHAHAHAHAHA! –Todos caíram na gargalhada.
Andivari ergueu a mão com esforço e balbuciou como pode:
_Eu sou Andivari! Era amigo do rei de vocês. Não somos inimigos.
_Não são inimigos? Pois eu vejo três loirinhas fodidas de Hellin-Odel. –Disse um dos homens que possuía uma recente cicatriz no peito e uma espada quebrada nas mãos. _Vocês desgraçados destruíram minha vila e atearam fogo em minha família. Aproveitaram que eu não estava em casa.
_Se não estava em casa como sabe que foi nós que atacamos sua vila. –Questionou Verbena.
_Cala boca, puta! Vocês Hellins aproveitaram que estávamos em missão com os príncipes e juntos com os traíras dos markdenos atacaram nossas vilas e cidades. Todos nós aqui perdemos nossas famílias, nossas cidades, tudo. E vamos foder vocês por isso.
O homem avançou em direção de Verbena e como um raio Vladislav ergueu sua espada e decepou a mão do individuo. Antes que os outros percebessem o que estava acontecendo Andivari sacou a espada e enfiou a na barriga de um dos cavaleiros que caiu do cavalo emitindo um gemido fatal. Enquanto o homem com o coto jorrando sangue começava a gritar Vladislav fazia sua espada dançar aparando um golpe que poderia ter sido fatal e desferindo um contra ataque certeiro no pescoço de um cavaleiro. Verbena jogou uma adaga no olho de um homem que estava próximo e preparou para puxar a espada quando dois homens a agarraram por trás. Um dos cavaleiros fincou a lança no ombro de Andivari que caiu de joelhos enquanto que outros quatros homens caíram golpeando Vladislav por todos os lados. Vladislav lutou por um tempo, mas logo caiu rendido aos ataques maciços dos homens ao seu redor.
Andivari estava desmaiado e Vladislav rendido e sendo obrigado a olhar para verbena correndo de um lado para outro dentro de um circulo de homens que riam e zombavam dela passando lhes a mão ou puxando lhe as vestes.
_Olhe bem cão. – Gritava um dos homens que o segurava no chão. _Você será o próximo.
Três homens estavam mortos no chão e outro ainda chorava a mão perdida, mas os seus companheiros não pareciam se importar nem um pouco. Preferiam se divertir com Verbena que nesse ponto já demonstrava medo em seus gritos de maldiçoes.
Vladislav olhava sem nada poder fazer. A moça já estava com as roupas rasgadas por causa dos puxões dos homens e um de seus seios róseos estava à mostra.
_Você sempre me persegue. Porque ainda não me levou? –Pensava Vladislav
_Chega de enrolação. Segurem na que eu quero possui-la. –Ordenou o que parecia ser o líder.
Verbena tentou lutar, mas foi rendida pelos homens que a agarraram e a jogaram no chão. Eles a seguraram pelos braços e pernas no chão ainda úmido da chuva que caíra na tarde anterior. Os seus seios eram palpados por varias mãos que os apertavam dolorosamente. As risadas, os escárnios e a mão áspera que agora subia lentamente por suas pernas de encontro ao seu sexo, fizeram Verbena sentir um medo que nunca sentira antes.
_Relaxe mulher. Não vai diminuir a dor, mas será mais fácil pra você, hehehe! –Dizia o homem com hálito de cebolas.
_Deusa ajude-me! –Pensava Verbena virando o rosto com nojo.
E como um milagre quase que imediato, o sorriso do homem se tornou um resmungo seco de dor quando uma flecha atravessou seu pescoço. Logo seus amigos também receberam disparos certeiros e começaram a cair uma a um antes mesmo de descobrirem que eram seus atacantes.
Vários homens de cotas de malha e mantos verdes musgo armados de bestas e espadas curtas tomaram conta do lugar. Mataram os Stavianathos, revistaram seus corpos e examinaram seus rostos como que procurando um rosto familiar. Depois ajudaram Vladislav a se levantar e enfaixaram o ombro de Andivari que acabava de acordar ainda meio atordoado e sem saber o que estava acontecendo.
Verbena ainda estava no chão quando que um homem alto vestido com uma armadura negra e um manto vermelho se aproximou e tirando o próprio manto o entregou a Verbena para que ela cobrisse sua nudez. Em seguida lhe estendeu a mão e disse:
_Lamento pelo que sofrestes antes de minha chegada, minha jovem. Mas agora você estará segura.
Verbena segurou a mão do homem de cabelos já amarelados não pela cor natural, mas mais pelos efeitos da idade que também o brindavam com grandes entradas na testa e cabelos ralos no alto da cabeça.

_Você e seus amigos estão protegidos agora. A propósito, me chamo Teron, Obadian Teron.